domingo, 27 de janeiro de 2013



Post O arroz de palma___
O arroz de Palma
Francisco Azevedo*
“Família é prato difícil de se preparar.”
Família é prato difícil de se preparar.São muitos ingredientes.Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo.Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência.
Não é para qualquer um.
Os truques, os segredos, o imprevisível.
Às vezes, dá até vontade de desistir.
Preferimos o desconforto do estômago vazio.
Vem a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio.
Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.
O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares.
Súbito, feito milagre, a família está servida.
Fulana sai a mais inteligente de todas.
Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria?
Solou, endureceu, murchou antes do tempo.
Este, é o mais gordo, generoso, farto, abundante.
Aquele, o que surpreendeu e foi morar longe.
Ela, a mais apaixonada.
A outra, a mais consistente.
E você?
É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia?
Como saiu no álbum de retratos?
O mais prático e objetivo?
A mais sentimental?
A mais prestativa?
O que nunca quis nada com o trabalho?
Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo.Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa.Eu espero. Já estão aí? Todas? Ótimo.Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados.
Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola.
Não se envergonhe de chorar.
Família é prato que emociona.
E a gente chora mesmo.
De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco.
Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar, tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas.
Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre.
Família é prato extremamente sensível.
Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido.
Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional.
Principalmente, na hora que se decide meter a colher.
Saber meter a colher é verdadeira arte.
Uma grande amiga minha desandou a receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita.
Bobagem. Tudo ilusão.
Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini; Família à Belle Meunière; Família ao Molho Pardo, em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é “à Moda da Casa”.E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.Há famílias doces. Outras, meio amargas.Outras apimentadíssimas.
Há também as que não têm gosto de nada, seriam assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.
Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo.
Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa.
A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia.
A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel.
Muita coisa se perde na lembrança.
Principalmente, na cabeça de um velho já meio caduco como eu.
O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer.
Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas.
Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo.
Família é prato que, quando se acaba,
NUNCA MAIS SE REPETE!
E daí… só saudade!
coração de arroz